13.1.10

CESAR SUMIYA O CARA Q CONVIVEU COM A BANDA‏

Conheci a legendária banda Fahrenheit 451 em 1989, através do então estudante de jornalismo Tony Hara. Estava morando em São Paulo, meio que retornando a Londrina e ele me levou a uma república na rua, Paes Leme, perto do Zerão, de onde surgia uma música altíssima e de altíssima qualidade, se não me engano Buzzcocks.
Espantou-me e como a música era bem tocada. Era um ensaio do Fahrenheit 451: Dimas de Jesus (Vocal), Duda Violada (Lead Guitar), Lincoln (Rithim Guitar), Marcelo Galvan (Bass Guitar) e Márcio Galvan (Drums). Posteriormente eles tocaram algumas composições próprias uma mistura bem dosada de hard rock 60, punk rock, uma pitada de Beatles e a adorável performance “Jaggeriana” de Dimas. Vale lembrar que lá também morava o Eduardo, ele não fazia parte da banda, mas era um agregado do grupo. Eles estavam em Londrina para supostamente estudar. Dimas fazia Comunicação, Marcelo e Duda Educação Artística, Márcio Computação e Eduardo um curso supletivo, mas o objetivo final era fazer Rock'n Roll. Eles eram todos de Umuarama e se espelhavam no exemplo de um amigo daquela cidade, Alex Totino, que acabou tocando na banda novaiorquina Das Damen. Ao final do ensaio conheci o pessoal e nasceu uma amizade que perdura até hoje. Lembro que nessa noite, ficamos conversando longamente na varanda da casa até quase o sol raiar, o assunto era logicamente rock'n roll, interessante o fato deles, gostarem de coisas sixties como mod e surf music (minha praia). O espectro de interesse deles incluía o blues e o jazz, foi a primeira vez que encontrei de uma só vez tantas pessoas com interesses semelhantes aos meus, inclusive em outras áreas como a literatura, eles adoravam a Beat Generation e o cinema, afinal Fahrenheit 451 é o título de um maravilhoso filme de Truffaut. Logo começamos a trocar informações. Eles vinham a minha casa para gravar fitas K-7, de coisas tão díspares que iam de Miles Davis a Beach Boys, passando pór Walter Smetak e Circle Jerks. Trocávamos livros e HQ's, às vezes eu tirava letras de músicas que eles pretendiam tocar, a mais insólita delas foi o tema do seriado infantil Banana Split, uns seis anos antes do CD Saturday Morning. Aos poucos o Fahrenheit 451 passou a se apresentar na cena underground londrinense. Eu destacaria particularmente duas em especial, a do lançamento do Fanzine Portugueis Klandestino de Tony Hara, Rogério Ivano e Tony Strauss, realizada no auditório interno da Concha Acústica e a da pós-inauguração do bar Gran Mausoléu do também lendário promoter Emerson Abelha, local onde se apresentaram literalmente todas as bandas relevantes do cenário independente brasileiro dos anos 90. Essas duas apresentações resumem muito bem o perfil da banda.
A primeira foi um mix de literatura, poesia, artes visuais, happening e muito Rock'n Roll. Entre uma música e outra havia alguém que declamava um poema publicado no zine, do nada surgiam enormes sacos plásticos, vermelhos transparentes, cheios de ar que eram trucidados pelo público, nas paredes e no chão cartazes coloridos com frases retiradas do zine, trechos de letras das músicas do Fahrenheit colados de maneira aleatória como num cut-up de William Burroughs, proporcionavam múltiplas leituras, um primoroso trabalho de iluminação focava sob diversas cores não somente a banda, mas eventos programados ou não, que aconteciam na platéia. De certa forma essa proximidade do rock pesado com a literatura e a poesia inaugurada em Londrina pelo Fahrenheit 451 nessa apresentação, precede as bandas de Rock Poetry que temos hoje na cidade, como os Benditos Energúmenos e o Bonus Trash, ambas tiveram a participação do ex-Fahrenheit Duda Violada no elenco.
A segunda inaugurou a série de shows histórica do Gran Mausoléu, que trouxe a Londrina, no início dos anos 90, bandas como Pin-Ups, Garage Fuzz, Cervejas dentre outras. Havia uma dúvida entre os organizadores do evento sobre qual seria a melhor banda para abrir a série de shows, a única unanimidade era que deveria ser uma banda de Londrina, havia outras bandas fantásticas na época como o Killing Chainsaw, Core, Convulsão e o Gólgota, decidiu-se então pela banda que mais tivesse a cara de Londrina e era a banda dos garotos de Umuarama. Eu como designer gráfico oficial do Gran Mausoléu, tive o prazer de fazer o cartaz desse show. O bar ficou superlotado, pela primeira vez uma banda da cidade conseguiu essa proeza. A apresentação foi algo sublime, a empatia com o público que lotava o local era total. O Dimas (vocal) tinha uma capacidade impressionante de interagir com a platéia. O curioso dessa apresentação do Fahrenheit foi o fato deles conseguirem juntar diversas tribos que aparentemente não se bicavam, como punks, headbangers e skatistas, num ambiente de pura festa. Muitas pessoas dessas tribos começaram a se falar graças a essa característica ecumênica que Fahrenheit 451 imputou ao Mausoléu nessa apresentação. O bar se tornou a partir daí o ponto de encontro de todos os que curtiam rock, sem distinção ou rótulos. Nesse show firmaria-se outra marca registrada da banda: a performance espetacular de Márcio Galvan na bateria, em grande parte, das músicas começaram a aparecer longos solos esmerados de bateria. Márcio era um aficionado por Gene Krupa, Art Blakey e John Bonham, de quem se espelhava para elaborar seus solos.
Eu diria que esses foram os anos áureos do Fahrenheit 451, onde eles produziram suas melhores obras que podem ser conferidas em algumas demo-tapes e gravações de vídeo que perambulam pelas mãos dos arqueólogos do rock da cidade.
A banda se desfez pouco tempo depois. Aquela república, que era um templo do rock, passou a ser frequentada por um bando de desocupados, meninos maluquinhos, suposto rockers, para quem o rock se resumia em Titãs e gruppies tresloucadas. Essas figuras impediram a continuidade do trabalho de criação dos garotos, atrapalhavam os ensaios, tentaram fazer do local uma filial de Woodstock, que ao final parecia mais com Gimme Shelter. As pessoas que de alguma forma contribuíam com a banda, passaram a não frequentar mais a casa. Dimas engravidou uma das gruppies e foi forçado a tomar jeito na vida, formou-se jornalista e começou a atuar na área. Márcio pirou total e depois de uma over da cidade foi morar com a mulher em Mato Grosso. O Lincoln mudou para Rolândia e começou tocar numa banda de blues, Blue Up. O Duda e Marcelo continuaram a fazer música em Londrina. Trabalharam com Mário Bortolloto na musicalização de poemas e formaram a banda Cyclone Pill, nessa época fiz minha última colaboração com os garotos, à letra da música White Desire presente no trabalho Punkadavercanção.
A partir daí me ausentei de Londrina por sete anos, perdi contato com todos. Quando retornei tive uma grata surpresa: Marcelo e Duda formaram a banda Búfalos D'Água, de Surf Music (minha praia) e no trabalho que estavam elaborando regravaram White Desire com o nome de Surf Desire, numa releitura no melhor estilo Dick Dale. As pedras continuam a rolar. Relato Pessoal por Cesar Sumiya

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